Guia Completo sobre Órteses para Membros Inferiores (MMII)
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As órteses para membros inferiores (MMII) são dispositivos externos projetados para auxiliar, corrigir ou proteger as pernas, pés e tornozelos. Elas desempenham um papel crucial na reabilitação e na melhoria da qualidade de vida de pessoas com diversas condições que afetam a mobilidade e a funcionalidade dos membros inferiores.
Este guia completo explora os diferentes tipos de órteses para MMII, suas indicações, os materiais utilizados em sua confecção e considerações importantes sobre prescrição, uso e cuidados.
O que são Órteses para Membros Inferiores?
De forma geral, uma órtese é um dispositivo exoesquelético aplicado a um ou vários segmentos do corpo. Seu objetivo principal é proporcionar o melhor alinhamento possível, buscando a posição mais funcional e adequada. As órteses para MMII são especificamente desenhadas para:
- Facilitar ou auxiliar o ortostatismo (ficar em pé).
- Imobilizar segmentos articulares durante processos inflamatórios ou após cirurgias.
- Prevenir, evitar ou corrigir a instalação de deformidades.
- Evitar ou minimizar a dor.
- Permitir, facilitar ou garantir uma marcha funcional e segura.
A prescrição de uma órtese para MMII deve considerar a natureza das limitações ortopédicas, a finalidade de uso, o tempo previsto e as condições de utilização, o estado cognitivo e a motivação do paciente, além da adesão ao tratamento.
Principais Tipos de Órteses para Membros Inferiores
Existe uma variedade de órteses para MMII, cada uma com suas especificidades e indicações. As mais comuns incluem:
1. Palmilhas (Órteses Plantares)
Qualquer material colocado entre a sola do sapato e o pé que influencie as forças de pressão no membro é considerado uma palmilha.
- Objetivo: Manter a correta postura do pé, aliviar dor e pontos de pressão durante o ortostatismo e a marcha, prevenir, acomodar deformidades, alinhar e dar suporte ao pé.
- Indicações Comuns: Alívio de zonas de pressão dolorosas, úlceras, calosidades, suporte dos arcos longitudinal e transversal do pé, correção do alinhamento de outras articulações do membro inferior, pé plano valgo, pé plano varo, fasceíte plantar, pé neuropático, pé hansênico e discrepância de comprimento dos membros inferiores.
- Tipos:
- Calcanheiras: Apoiam somente o calcanhar.
- Palmilhas 2/3: Terminam antes da cabeça dos metatarsos.
- Palmilhas 3/4: Terminam na altura da cabeça dos metatarsos.
- Palmilhas inteiras: Acomodam todo o pé.
- Materiais: Podem ser confeccionadas em diversos materiais como EVA, couro, silicone, poliméricos, oferecendo uma ampla gama de dureza e densidades. As palmilhas feitas sob medida geralmente oferecem maior confiabilidade e êxito no tratamento.
- Cuidados: É importante verificar sinais de reações ao uso, como marcas ou vermelhidão, especialmente em pés com sensibilidade alterada. A higienização periódica com água, sabão neutro ou álcool gel é recomendada.
2. Órteses Suropodálicas (AFOs - Ankle-Foot Orthoses)
Também conhecidas como tutores curtos, goteiras ou calhas de panturrilha, são aparelhos ortopédicos utilizados para substituir a perda da função fisiológica de movimentação ativa e estabilização do tornozelo pelos músculos da perna.
- Objetivo: Prevenir a instalação de deformidades em equino (pé caído), favorecer o ganho de amplitude de movimento de dorsiflexão (quando articuladas), controlar o alinhamento e a movimentação do pé e do tornozelo, afetando descargas de peso, alinhamento corporal, equilíbrio e desempenho na marcha.
- Indicações Comuns: Sequelas de lesões neuromusculares de origem central ou periférica (espásticas e flácidas), como traumatismos cranioencefálicos, paralisia cerebral, acidentes vasculares encefálicos, lesão medular, lesões de nervos periféricos e doenças neurodegenerativas.
- Tipos:
- Fixas (Rígidas): Não permitem movimento no tornozelo.
- Órtese suropodálica rígida.
- Órtese suropodálica de reação ao solo: Possui uma faixa semirrígida anterior próxima ao joelho, auxiliando na estabilização do joelho e controle da flexão durante a marcha.
- Órtese suropodálica tipo Sarmiento ou PTB (Patella Tendon Bearing).
- Articuladas: Permitem o movimento de dorsiflexão. Geralmente indicadas para pessoas capazes de realizar marcha. A articulação deve ser alinhada com os maléolos e o plano frontal.
- Flexíveis: Como a Mola de Codivila e as órteses espiral/semiespiral, permitem algum grau de movimento do tornozelo e auxiliam durante a marcha.
- Supramaleolares: Indicadas quando não há deformidade em varo ou valgo do retropé.
- Fixas (Rígidas): Não permitem movimento no tornozelo.
- Materiais: Geralmente confeccionadas em termoplásticos de alta temperatura, como polipropileno, ou fibra de carbono.
- Cuidados: Orientar sobre o risco de prurido, dor, marcas ou vermelhidão, indicando a necessidade de ajustes para evitar lesões na pele.
3. Órteses Cruropodálicas (KAFOs - Knee-Ankle-Foot Orthoses)
Conhecidas como tutores longos, são órteses que envolvem joelho, tornozelo e pé.
- Objetivo: Proporcionar ortostatismo e deambulação funcional para pessoas com paralisia de membro inferior. O estímulo à postura de pé é crucial, pois promove alongamento muscular, facilita a digestão, auxilia na respiração e esvaziamento da bexiga, melhora a circulação e previne a osteoporose.
- Indicações Comuns: Lesões da coluna vertebral em nível lombar, poliomielite e outras doenças neuromusculares que causam paralisia do membro inferior.
- Considerações: O usuário necessita de bom controle de tronco, pescoço e cabeça. Geralmente, a deambulação exige o uso de muletas, demandando membros superiores íntegros. A marcha com KAFOs é mais lenta e consome mais energia.
- Materiais: Podem ser metálicas, moldadas em polipropileno, laminadas em resina ou mistas. A escolha depende do peso, idade e indicação de uso.
4. Órteses Pélvicopodálicas (HKAFOs - Hip-Knee-Ankle-Foot Orthoses)
São tutores longos com cinto pélvico, envolvendo quadril, joelho, tornozelo e pé.
- Objetivo: Semelhante às KAFOs, mas para casos com comprometimento motor da articulação do quadril.
- Indicações Comuns: Lesões acima da coluna lombar com comprometimento motor da articulação do quadril.
- Características: Possuem uma faixa pélvica e articulação ao nível do quadril que pode ser livre ou bloqueada.
Considerações Essenciais na Prescrição e Confecção
A eficácia de uma órtese de membro inferior depende de um processo criterioso que envolve diversas etapas e conhecimentos técnicos:
- Avaliação Detalhada: Uma equipe multiprofissional especializada deve avaliar as condições físicas e de saúde do usuário, seu estilo de vida e o ambiente em que está inserido. É fundamental o conhecimento da anatomia funcional, aspectos clínicos da patologia e características dos materiais.
- Prescrição Individualizada: A prescrição deve ser baseada nas necessidades individuais e objetivos terapêuticos, detalhando o tipo, modelo, classificação e características especiais da órtese.
- Confecção Sob Medida ou Pré-Fabricada:
- Sob Medida: O molde é elaborado sobre o próprio corpo do paciente, oferecendo maior confiabilidade e respeito às características anatômicas particulares.
- Pré-Fabricadas: São confeccionadas em série e disponíveis em tamanhos padronizados.
- Alinhamento e Adaptação:
- Os padrões de alinhamento das articulações devem obedecer aos padrões fisiológicos, a menos que haja indicação específica ou desvio irredutível.
- Devem-se aliviar pontos de saliências ósseas e áreas sensíveis à pressão.
- Para órteses indicadas para marcha, deve-se considerar o calçado utilizado para proporcionar neutralidade articular.
- No caso de órteses articuladas, a articulação da órtese deve ser alinhada corretamente para evitar rotações indesejadas.
- Materiais: A escolha do material (termoplásticos como polipropileno, fibra de carbono, metais, couro, EVA, silicone) deve considerar a resistência, durabilidade, leveza, conforto e a necessidade específica do paciente.
Usando sua Órtese de Membro Inferior: Adaptação e Cuidados
A adaptação ao uso da órtese e os cuidados adequados são fundamentais para garantir sua eficácia e durabilidade:
- Treinamento: O usuário, cuidadores e familiares devem ser treinados por profissionais capacitados para o correto uso e manutenção do dispositivo.
- Período de Adaptação: No início, é crucial observar a pele para detectar qualquer sinal de pressão excessiva, irritação ou lesão. Ajustes podem ser necessários.
- Higiene da Órtese:
- Palmilhas: Podem ser lavadas com água, sabão neutro e uma esponja. Álcool gel também pode ser indicado.
- Outras órteses (como AFOs): Seguir as orientações do profissional para limpeza, geralmente com pano úmido e sabão neutro, secando bem antes de reutilizar.
- Manutenção: Reparos e acompanhamento são importantes para aumentar a vida útil da órtese. Itens como correias, velcros e ponteiras podem precisar de substituição.
- Calçados: Para palmilhas e algumas AFOs, é importante utilizar calçados adequados, que não tenham salto elevado, não sejam excessivamente macios e não promovam pontos de pressão.
- Comunicação com a Equipe: Qualquer desconforto, dor, alteração na pele ou problema com a órtese deve ser comunicado imediatamente à equipe de saúde responsável.
Conclusão
As órteses para membros inferiores são recursos valiosos que podem impactar significativamente a independência, a mobilidade e a qualidade de vida. Um processo cuidadoso de avaliação, prescrição, confecção e adaptação, aliado ao uso correto e à manutenção adequada, é essencial para que esses dispositivos cumpram seu papel de forma segura e eficaz.
Lembre-se sempre de seguir as orientações dos profissionais de saúde e buscar acompanhamento regular para garantir os melhores resultados com o uso da sua órtese.
Referências
- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia para Prescrição, Concessão, Adaptação e Manutenção de Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção. Brasília - DF, 2019.
- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Confecção e Manutenção de Órteses Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção: Confecção e Manutenção de Próteses de Membros Inferiores, Órteses Suropodálicas e Adequação Postural em Cadeira de Rodas. Brasília - DF, 2013.